sábado, 24 de abril de 2010

O negócio do petróleo e o leilão que é privatização

O petróleo é uma matéria-prima de grande importância, seja para geração de energia, ou para fabricação de derivados diversos que possibilitam múltiplas utilizações. Isso, somado a sua não renovação, o torna um produto importante para a economia, e algo de grande valor no mercado, portanto um recurso natural estratégico para o desenvolvimento nacional. Foram esses os motivos que levaram a sociedade brasileira a debater intensamente o tema do petróleo. Intelectuais como Monteiro Lobato foram pioneiros a alardear/defender a existência de petróleo no Brasil, mas havia setores na sociedade contrários a essa idéia, ligados ao capital internacional, e defendiam uma posição dependente/subordinada do Brasil frente ao capital internacional, e ao imperialismo. Para estes, o Brasil não precisava investir em tecnologia, e deveria manter-se em uma posição de subordinação na divisão internacional do trabalho.

A partir da década de 1930, temos intensos debates envolvendo grupos que achavam que o petróleo deveria ser controlado pelo estado, e outros que achavam que ele deveria ficar a sorte do mercado. Mais uma vez, vemos os nacionalistas em confronto com os interesses defendidos pelos grupos que queriam entregar a produção de petróleo às multinacionais. Um dos momentos mais importantes deste debate na sociedade foi a campanha "O petróleo é nosso [1]", que contou com a participação de militares [2], artistas, movimento estudantil, partidos, movimentos sociais, ou seja, a sociedade estava participando ativamente da construção das políticas para o petróleo brasileiro.

Finalmente, em 1951, o então presidente Getúlio Vargas enviou ao Congresso o projeto 1516, que consistia na criação de uma empresa de capital misto, com controle majoritário pelo governo brasileiro (vejam como história se repete!). Entretanto, a proposta vitoriosa em 1953 foi a que definia a favor do monopólio estatal do petróleo, e da criação da Petrobras.

Ao longo desses anos, a empresa vem crescendo e tem tido um papel importante no desenvolvimento nacional. A Petrobras produziu tecnologias de exploração pioneiras, tais como a de águas profundas. E manteve um compromisso de produzir prioritariamente para o abastecimento do mercado interno.

Os embates acerca do petróleo que ocorrem entre os setores privatistas mais diretamente ligados ao imperialismo, e os nacionalistas, bem como os antiimperialistas, foram reeditados quando o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) [3], grande implementador das políticas neoliberais no Brasil, criou mecanismos que possibilitavam a abertura para o capital internacional explorar o petróleo no Brasil. A criação da Lei Nº. 9478, de 06 de agosto de 1997, que trata política energética brasileira e do monopólio do petróleo e gás, é certamente um dos pontos mais importantes para entendermos os rumos que o governo brasileiro adotou para a política energética. Ela significa um grande retrocesso das conquistas realizadas pelo povo brasileiro, que foram realizadas através de intensos debates e muita participação popular. A Referida lei definiu que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) seria a responsável por organizar licitações/leilões de áreas produtoras de petróleo para a exploração. Cita ainda a necessidade de incentivar a livre iniciativa. Os leilões se configuram como formas de transferência de áreas potenciais de produção de petróleo e/ou gás para as mãos do capital privado (nacional e/ou internacional).

Segundo a lei 9478/97:

" A Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRÁS transferirá para a ANP as informações e dados de que dispuser sobre as bacias sedimentares brasileiras, assim como sobre as atividades de pesquisa, exploração e produção de petróleo ou gás natural, desenvolvidas em função da exclusividade do exercício do monopólio até a publicação desta Lei."

Essas pesquisas e informações são importantes, e valem muito pelo que contém, bem como por demandarem muitos investimentos e tempo para serem obtidas. Se é a ANP quem estabelece a política de exploração, define as áreas que vão ser leiloadas, essas informações ganham uma dimensão maior, pois podem ser úteis ao capital privado. Mesmo que a ANP diga que vai de alguma forma remunerar a Petrobras pelas informações, o valor pago ainda será insuficiente.

As agências reguladoras (Anatel dos telefones, Anteel da eletricidade, ANP do petróleo e outras) foram criadas durante o governo de FHC com a finalidade de serem blindagens, do ponto de vista institucional, das políticas neoliberalismo no Brasil. Elas cumpriram e cumprem um papel muito importante durante os processos de privatização de diversas empresas e serviços públicos, como energia elétrica, telefonia, apesar do governo dizer que elas são importantes instituições democráticas e que servem para assegurar os direitos dos consumidores.


Essa política de concessão da exploração do petróleo e gás via leilões de blocos fere o princípio do monopólio estatal. Elas são formas de privatização, como demanda a lógica neoliberal, mesmo que de forma disfarçada e fragmentada. Mas os trabalhadores estão atentos e oferecendo resistência. É importante nos determos na tática dos governos ao implantarem políticas antipopulares Ao serem derrotados junto à opinião pública, mesmo contando com o apoio dos meios de comunicação dominados pelas elites, tentam aprovar as políticas de forma fragmentada. Podemos fazer uma analogia com os blocos leiloados pela ANP, e dizer que as políticas vão sendo passadas em blocos pequenos, em medidas, decretos, e de outras formas. Foi isso que ocorreu, e continua ocorrendo, com as (contra)reformas da previdência social, universitária e trabalhista. A lógica é a seguinte: muda-se aqui e ali, e desta maneira vão sendo criadas as condições para o avanço do neoliberalismo. Isso mostra o seu caráter antidemocrático, pois a medida em que encontram dificuldades de implementar essas políticas sem resistência, se utilizam dessas manobras para garantir o cumprimento da agenda imposta pelos organismos multilaterais.

As políticas neoliberais têm sido desastrosas. Elas contribuem para a ampliação das desigualdades, para a precarização nas relações de trabalho e nas condições de vida de maneira geral. As conquistas realizadas pela classe trabalhadora vêm sendo perdidas, os direitos têm sido retirados e transformados em serviços privados que são vendidos no balcão capitalista.

Dessa forma, o direito à saúde, à educação de qualidade, à previdência social se tornam mercadorias a serem adquiridas através do consumo, viram matérias de especulação para o mercado. Quem consome neste país? Como os trabalhadores precarizados, subempregados e desempregados vão consumir educação, saúde, e previdência social? O neoliberalismo é uma das faces mais perversas do capitalismo, pois nele não há compromisso algum com valores humanistas, solidários. Sua lógica é predatória, e seu único compromisso é com o lucro.

O governo Lula tem seguido a agenda de implementação das políticas neoliberais. E tem feito as reformas (contra-reformas) neoliberais, que haviam sido radicalizadas durante o governo FHC. Também segue com a realização dos leilões do setor de petróleo e gás. E, por outro lado, continua a paralisia em relação à Reforma Agrária.

Os leilões do governo FHC entregaram ao setor privado nacional e internacional empresas estratégicas, como a CSN, a Vale do Rio Doce, as empresas do setor elétrico, da telefonia, estradas, entre outras. Essa experiência nos mostra como estes setores são lucrativos e que as vendas foram feitas com prejuízos diversos, a saber: 1) o valor de venda é bem inferior ao do patrimônio das empresas, e das suas possibilidades de rendimento; 2) as empresas estão situadas em setores estratégicos da economia, para pensar o desenvolvimento nacional; 3) pelos tipos de serviços que essas empresas recebem, e pela incapacidade de incentivar a livre iniciativa como eles alardeiam; 4) a gestão privada não é superior à pública, há dificuldade de interlocução para resolver problemas dos consumidores. As Agências que estariam garantindo que o cumprimento dos contratos, bem como protegendo o direito dos consumidores, não exercem devidamente este papel, não há gerência sobre as suas atividades e nem controle por parte da população.

A venda da Companhia Vale do Rio Doce é um caso à parte na história das privatizações, pois a infra-estrutura e as reservas que foram leiloadas são bem superiores ao valor pago. Além disso, ainda é uma empresa que detém boa parte das reservas de minério do Brasil. Essa privatização serviu de experiência para as ações futuras, bem como a da CSN, pois em ambas ocorreu um intenso confronto com os amplos setores da sociedade que não concordavam com a venda dessas empresas, principalmente por elas terem se dado da forma ilícita como foi.

Os movimentos sociais estão organizados para tentar impedir os leilões, e têm a clareza que eles são formas de privatização do petróleo, de entrega dos recursos naturais para as multinacionais. Não podemos entregar assim uma fonte de energia estratégica. Vejamos o exemplo da eleição de governos como de Hugo Chávez, que vem adotando políticas que visam à melhoria das condições de vida do povo venezuelano com a utilização do petróleo, e também para garantir um enfrentamento com os EUA não ser isolado, como o que ocorreu com Cuba. Essa receita vem sendo a mesma adotada por Evo Morales, não porque está copiando Chávez, mas sim como resultado das lutas travadas para que os recursos dos hidrocarbonetos fossem destinados a atender às demandas da classe trabalhadora por melhores condições de vida.

Também é importante nos perguntarmos por que o governo estadunidense, juntamente com outras potenciais econômicas e militares, vem promovendo uma guerra pelo petróleo disfarçada de "guerra ao terror". O petróleo, a indústria bélica, as empreiteiras repensáveis pela reconstrução após as guerras são alguns dos motivos que levam esses países a travarem uma luta pelo lucro, que elimina vidas humanas e depreda a natureza.

O bloco histórico no poder, para garantir a hegemonia frente à "opinião pública", constrói justificativas para as políticas neoliberais. Não é diferente no caso dos leilões do petróleo. Os discursos mais recorrentes para a defesa dos leilões são: 1) já que a Petrobras explora petróleo em outros países, nada mais justo que leiloar áreas brasileiras para empresas multinacionais, 2) outro argumento fala de uma necessidade (do capital) de incentivar a livre concorrência, e que o monopólio estatal seria danoso para esse processo de abertura do mercado (declaração dada pelo diretor geral da ANP, Haroldo Lima.) 3)um último argumento diz que com o avanço do debate sobre os agrocombustíveis como energia limpa e renovável a nossa dependência do petróleo seria superada, pois a produção a nossa produção seria capaz de abastecer o mercado. Uma primeira pergunta que deve ser feita é: O que é uma energia limpa? Se for à custa da vida dos trabalhadores mortos por exaustão, ou pelo latifúndio que expulsa o agricultor do campo e degrada o meio ambiente, certamente não será uma energia limpa. Pelo contrário, será uma energia suja de sangue, de agrotóxico Esse modelo de produção de biodiesel e de etanol não contempla a pequena agricultura, e não contribui para mudara relação de produção no campo, pelo contrário ele aprofunda a concentração e a entrada do grande capital no campo brasileiro, ou seja, serve apenas para ampliar as possibilidades de reprodução do capital no campo brasileiro.

É necessário impedir os leilões do petróleo, e pensar uma política diferente para o petróleo e gás, e para a implementação do programa do biodiesel, do etanol, que gere emprego no campo, e que respeite o meio-ambiente, para isso é necessário ser contruída uma nova lei que regule o petróleo e gás e os agrocombustíveis, que permita um controle social maior, com a participação dos trabalhadores.

O homem sabe como produzir energia do sol, dos ventos, das ondas do mar, mas continuamos com o mesmo padrão energético, temos que pensar em alternativas para o petróleo, para o planeta. Por isso é importante que a política para a energia no Brasil esteja aberta a participação democrática.



Algumas Referências:
http://www.petrobras.com.br/
http://www.anp.gov.br/conheca/lei.asp?cap=1#ini

[1] A campanha foi importante e se estendeu de 1947 a 1953
[2] O Clube Militar foi um espaço muito importante para a construção de um debate sobre o Petróleo, e para a consolidação da vitória do grupo que defendia o monopólio estatal, temos a UNE muito ativa, bem como a esquerda de modo geral
[3] No período em que a Petrobras foi criada e que o governo brasileiro optou pelo monopólio estatal do petróleo as políticas que hoje são conhecidas como neoliberais não estava com muita força junto à "opinião pública", o pensamento predominante apoiava um estado forte, interventor.



Mardonio Barros (MST/Observatório da Indústria Cultural)

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