por Mardonio Barros
Nos Terminais de Ônibus, ou em algum ponto de ônibus da capital cearense, no horário de pico, é comum encontrar grande aglomeração de pessoas. Fila que se desfaz à medida que os veículos vão se aproximando. A parada do ônibus é o sinal para a largada das pessoas. Começa o empurra-empurra, a correria. Vemos o cenário de uma luta diária pelo direito de entrar no ônibus, pela possibilidade de sentar até o seu destino final, ou simplesmente para não chegar atrasado no trabalho. Motivações diversas, mas o resultado é sempre o mesmo, uma violência cotidiana, que brutaliza nossas relações. Depois de intensa luta, as pessoas conseguem o paraíso de um ônibus lotado, e sem nenhum conforto. O calor toma conta do ambiente, irritando ainda mais as pessoas.
Esse quadro do transporte público da capital cearense é absurdo, um atentado diário ao bem estar da população. É necessário mais investimento, e políticas resultem em soluções para este grave problema. Mais ônibus e maiores, mais conforto (ar condicionado, ônibus mais vagos, com maior oferta nas linhas), mais linhas, um sistema de integração eficiente e leve, ruas seguras para o tráfego dos veículos (sem buracos, com boa sinalização), qualificação dos profissionais para melhor atender a população, e investimentos em outros meios de transporte público, tais como metrô e trem são algumas ações que podem contribuir para a melhoria dos transportes públicos em fortaleza, e para a redução de veículos individuais nas ruas, pois esses ajudam a elevar os níveis de poluição, violência no transito, e o estrangulamento das vias.
A cidade de fortaleza não dispõe de um sistema de transporte, o que temos são meio de transporte público, não encontramos diversidade nos meios, nem tão pouco um modelo que seja eficiente para atender as necessidades da metrópole cearense.
sexta-feira, 30 de abril de 2010
sábado, 24 de abril de 2010
O progresso e a barbárie das mortes dos pobres
por Mardonio Barros (Observatório da Indústria Cultural)
“Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.”
(Walter Benjamin, Teses sobre o conceito da história)
Quando tive notícias do assassinato dos jovens Marcos Paulo da Silva Correia, Wellington Gonzaga da Costa, e David Wilson Florêncio da Silva fiquei tomado de uma revolta e de uma angústia, que se fundiam em uma tristeza advinda de um sentimento de impotência frente ao avanço da barbárie. Vivemos “em tempos (...) de sangrenta desorientação, de arbítrio planejado, de desordem induzida, de humanidade desumanizada[1]”, que nos exige estarmos alertas e prontos para combater a barbárie que nos embota o espírito. Esse crime nos mostra muito dessa realidade complexa que vivemos. Jovens mortos por outros jovens, em uma luta de todos contra todos, de pobres massacrados contra pobres massacrados, entre soldados desumanizados, de um lado os chamados “soldados do tráfico” e do outro (ou do mesmo) os soldados das forças do estado.
A entrega desses “garotos” ao tráfico é um arbítrio planejado, é uma desordem que induz os pobres eliminares os seus iguais. Assim seguem se devorando, pois estão tão alienados de sua espécie, quem nem se dão conta de que são alvo da mesma violência, e pelas mesmas razões. Essa reificação é um processo intrínseco ao modo de produção capitalista, ela nos leva a uma guerra de todos contra todos. Não podemos olhar a violência nos morros cariocas sem pensar na sua relação com o progresso, que é alardeado nos anúncios do Programa de Aceleração do Crescimento, ou em ações como o Cimento Social, de autoria do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). Da mesma forma em que não podemos olhar a barbárie que avança no mundo todo, em especial para a sua lógica nos países da periferia do capitalismo, e o papel dos países centrais nessa história. Essas realidades têm uma relação muito íntima. Quem está ganhando com o PAC? Quem ganha com a invasão no Iraque? E no Afeganistão? Ou com a suposta guerra contra o narcotráfico na Colômbia? Políticos, empreiteiras, mercado de armas e de segurança, especulação imobiliária, bancos, os latifundiários, indústria cultural (em especial a mídia), ONG’s.
Um bom exemplo dessa lógica do progresso como acumulação do capital e produção de barbárie é o Plano Colômbia, que contou com 1,30 bilhões de dólares de investimentos concedidos pelos Estados Unidos. Desse total, 1,13 bilhões foram gastos diretamente pelos funcionários de Washington, em suas fábricas de materiais bélicos, e sem a definição ou envolvimento do governo colombiano. O mesmo aconteceu com a quantia obtida pelo Banco Mundial para o plano, que foi canalizada por Washington para as sociedades militares privadas (SMP). Temos com esse Plano uma perseguição desenfreada do lucro, e não de resolver os graves problemas enfrentados pelos colombianos. Essa política alimenta os conflitos internos e o poder bélico das forças legais e das milícias que implementam a política de insegurança assumida pelo governo de Alvaro Uribe.
No caso da Providência os jovens foram entregues por soldados do Exército brasileiro que, até onde se sabe, tinham como argumentos para a acusação o fato de serem pobres, negros, e terem levantado a voz para reclamar das arbitrariedades dos “homens da lei”. Os militares os julgaram e delegaram a tarefa da execução a outros jovens da favela mais próxima, e de um comando diferente do que controla o tráfico no morro da Providência. Os que fizeram o serviço devem ter se utilizado para isso de armas fabricadas por indústrias de países “civilizados” e ricos como a Colt, que é estadunidense e fabricante do Fuzil AR15, a austríaca Glock, ou a Sig Sauer, que é resultado da fusão entre duas empresas, uma suíça e a outra alemã. Por que eles não fecham as fábricas de armas já que querem reduzir a violência? As armas não nascem nos morros, bem como as drogas. Os “soldados” do tráfico portam armas que são compradas por valores muito superiores aos que a maioria deles acumulará em suas breves vidas. Quem lucra com isso?
Países como os EUA e Alemanha são quem ganham dinheiro com o tráfico de drogas, e com o estado que também se arma com os materiais bélicos produzidos por suas indústrias. Essa lógica enriquece os capitalistas, e os países centrais, e leva policiais e civis à morte na periferia do capital. Enriquece também com isso a mídia cúmplice, que constrói diariamente as justificativas para essas políticas de morte. E o faz quando se nega a ouvir a voz dos de baixo, quando os coloca como criminosos, quando dão voz aos algozes dos que são assassinados todos os dias. Essa mídia também aperta o gatilho.
Vivemos em tempos estranhos, onde podemos encontrar nas ruas de uma cidade como Berlim um jovem dirigindo um carro com o que há de mais avançado na indústria automobilística, movido a álcool (energia supostamente limpa) produzido por trabalho escravo no nordeste do Brasil. Cada vez que olho para esse mundo, vejo mais razão nas palavras de Benjamin, não consigo olhar essa realidade sem horror, e nem seguir o cortejo triunfal dos vencedores, que segue marchando sobre “os corpos dos que estão prostrados no chão”.
Temos que nos contrapor à falácia dos defensores do capital, que tentam nos convencer a todo momento que o antídoto à barbárie é o capitalismo. Segundo eles, este deve chegar aonde não chegou, pois ele teria um caráter civilizatório. Não há salvação no capitalismo, que avança a passos largos destruindo o meio ambiente, vidas, sonhos.
É preciso nos levantarmos contra as injustiças, para que os que marcham sobre os corpos de Marcos, Wellington, David, e de tantos outros sejam vencidos, para que a justiça, os sonhos, liberdade e esperança caminhem triunfantes por esse mundo.
[1] Bertolt Brecht
“Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.”
(Walter Benjamin, Teses sobre o conceito da história)
Quando tive notícias do assassinato dos jovens Marcos Paulo da Silva Correia, Wellington Gonzaga da Costa, e David Wilson Florêncio da Silva fiquei tomado de uma revolta e de uma angústia, que se fundiam em uma tristeza advinda de um sentimento de impotência frente ao avanço da barbárie. Vivemos “em tempos (...) de sangrenta desorientação, de arbítrio planejado, de desordem induzida, de humanidade desumanizada[1]”, que nos exige estarmos alertas e prontos para combater a barbárie que nos embota o espírito. Esse crime nos mostra muito dessa realidade complexa que vivemos. Jovens mortos por outros jovens, em uma luta de todos contra todos, de pobres massacrados contra pobres massacrados, entre soldados desumanizados, de um lado os chamados “soldados do tráfico” e do outro (ou do mesmo) os soldados das forças do estado.
A entrega desses “garotos” ao tráfico é um arbítrio planejado, é uma desordem que induz os pobres eliminares os seus iguais. Assim seguem se devorando, pois estão tão alienados de sua espécie, quem nem se dão conta de que são alvo da mesma violência, e pelas mesmas razões. Essa reificação é um processo intrínseco ao modo de produção capitalista, ela nos leva a uma guerra de todos contra todos. Não podemos olhar a violência nos morros cariocas sem pensar na sua relação com o progresso, que é alardeado nos anúncios do Programa de Aceleração do Crescimento, ou em ações como o Cimento Social, de autoria do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). Da mesma forma em que não podemos olhar a barbárie que avança no mundo todo, em especial para a sua lógica nos países da periferia do capitalismo, e o papel dos países centrais nessa história. Essas realidades têm uma relação muito íntima. Quem está ganhando com o PAC? Quem ganha com a invasão no Iraque? E no Afeganistão? Ou com a suposta guerra contra o narcotráfico na Colômbia? Políticos, empreiteiras, mercado de armas e de segurança, especulação imobiliária, bancos, os latifundiários, indústria cultural (em especial a mídia), ONG’s.
Um bom exemplo dessa lógica do progresso como acumulação do capital e produção de barbárie é o Plano Colômbia, que contou com 1,30 bilhões de dólares de investimentos concedidos pelos Estados Unidos. Desse total, 1,13 bilhões foram gastos diretamente pelos funcionários de Washington, em suas fábricas de materiais bélicos, e sem a definição ou envolvimento do governo colombiano. O mesmo aconteceu com a quantia obtida pelo Banco Mundial para o plano, que foi canalizada por Washington para as sociedades militares privadas (SMP). Temos com esse Plano uma perseguição desenfreada do lucro, e não de resolver os graves problemas enfrentados pelos colombianos. Essa política alimenta os conflitos internos e o poder bélico das forças legais e das milícias que implementam a política de insegurança assumida pelo governo de Alvaro Uribe.
No caso da Providência os jovens foram entregues por soldados do Exército brasileiro que, até onde se sabe, tinham como argumentos para a acusação o fato de serem pobres, negros, e terem levantado a voz para reclamar das arbitrariedades dos “homens da lei”. Os militares os julgaram e delegaram a tarefa da execução a outros jovens da favela mais próxima, e de um comando diferente do que controla o tráfico no morro da Providência. Os que fizeram o serviço devem ter se utilizado para isso de armas fabricadas por indústrias de países “civilizados” e ricos como a Colt, que é estadunidense e fabricante do Fuzil AR15, a austríaca Glock, ou a Sig Sauer, que é resultado da fusão entre duas empresas, uma suíça e a outra alemã. Por que eles não fecham as fábricas de armas já que querem reduzir a violência? As armas não nascem nos morros, bem como as drogas. Os “soldados” do tráfico portam armas que são compradas por valores muito superiores aos que a maioria deles acumulará em suas breves vidas. Quem lucra com isso?
Países como os EUA e Alemanha são quem ganham dinheiro com o tráfico de drogas, e com o estado que também se arma com os materiais bélicos produzidos por suas indústrias. Essa lógica enriquece os capitalistas, e os países centrais, e leva policiais e civis à morte na periferia do capital. Enriquece também com isso a mídia cúmplice, que constrói diariamente as justificativas para essas políticas de morte. E o faz quando se nega a ouvir a voz dos de baixo, quando os coloca como criminosos, quando dão voz aos algozes dos que são assassinados todos os dias. Essa mídia também aperta o gatilho.
Vivemos em tempos estranhos, onde podemos encontrar nas ruas de uma cidade como Berlim um jovem dirigindo um carro com o que há de mais avançado na indústria automobilística, movido a álcool (energia supostamente limpa) produzido por trabalho escravo no nordeste do Brasil. Cada vez que olho para esse mundo, vejo mais razão nas palavras de Benjamin, não consigo olhar essa realidade sem horror, e nem seguir o cortejo triunfal dos vencedores, que segue marchando sobre “os corpos dos que estão prostrados no chão”.
Temos que nos contrapor à falácia dos defensores do capital, que tentam nos convencer a todo momento que o antídoto à barbárie é o capitalismo. Segundo eles, este deve chegar aonde não chegou, pois ele teria um caráter civilizatório. Não há salvação no capitalismo, que avança a passos largos destruindo o meio ambiente, vidas, sonhos.
É preciso nos levantarmos contra as injustiças, para que os que marcham sobre os corpos de Marcos, Wellington, David, e de tantos outros sejam vencidos, para que a justiça, os sonhos, liberdade e esperança caminhem triunfantes por esse mundo.
[1] Bertolt Brecht
O negócio do petróleo e o leilão que é privatização
O petróleo é uma matéria-prima de grande importância, seja para geração de energia, ou para fabricação de derivados diversos que possibilitam múltiplas utilizações. Isso, somado a sua não renovação, o torna um produto importante para a economia, e algo de grande valor no mercado, portanto um recurso natural estratégico para o desenvolvimento nacional. Foram esses os motivos que levaram a sociedade brasileira a debater intensamente o tema do petróleo. Intelectuais como Monteiro Lobato foram pioneiros a alardear/defender a existência de petróleo no Brasil, mas havia setores na sociedade contrários a essa idéia, ligados ao capital internacional, e defendiam uma posição dependente/subordinada do Brasil frente ao capital internacional, e ao imperialismo. Para estes, o Brasil não precisava investir em tecnologia, e deveria manter-se em uma posição de subordinação na divisão internacional do trabalho.
A partir da década de 1930, temos intensos debates envolvendo grupos que achavam que o petróleo deveria ser controlado pelo estado, e outros que achavam que ele deveria ficar a sorte do mercado. Mais uma vez, vemos os nacionalistas em confronto com os interesses defendidos pelos grupos que queriam entregar a produção de petróleo às multinacionais. Um dos momentos mais importantes deste debate na sociedade foi a campanha "O petróleo é nosso [1]", que contou com a participação de militares [2], artistas, movimento estudantil, partidos, movimentos sociais, ou seja, a sociedade estava participando ativamente da construção das políticas para o petróleo brasileiro.
Finalmente, em 1951, o então presidente Getúlio Vargas enviou ao Congresso o projeto 1516, que consistia na criação de uma empresa de capital misto, com controle majoritário pelo governo brasileiro (vejam como história se repete!). Entretanto, a proposta vitoriosa em 1953 foi a que definia a favor do monopólio estatal do petróleo, e da criação da Petrobras.
Ao longo desses anos, a empresa vem crescendo e tem tido um papel importante no desenvolvimento nacional. A Petrobras produziu tecnologias de exploração pioneiras, tais como a de águas profundas. E manteve um compromisso de produzir prioritariamente para o abastecimento do mercado interno.
Os embates acerca do petróleo que ocorrem entre os setores privatistas mais diretamente ligados ao imperialismo, e os nacionalistas, bem como os antiimperialistas, foram reeditados quando o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) [3], grande implementador das políticas neoliberais no Brasil, criou mecanismos que possibilitavam a abertura para o capital internacional explorar o petróleo no Brasil. A criação da Lei Nº. 9478, de 06 de agosto de 1997, que trata política energética brasileira e do monopólio do petróleo e gás, é certamente um dos pontos mais importantes para entendermos os rumos que o governo brasileiro adotou para a política energética. Ela significa um grande retrocesso das conquistas realizadas pelo povo brasileiro, que foram realizadas através de intensos debates e muita participação popular. A Referida lei definiu que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) seria a responsável por organizar licitações/leilões de áreas produtoras de petróleo para a exploração. Cita ainda a necessidade de incentivar a livre iniciativa. Os leilões se configuram como formas de transferência de áreas potenciais de produção de petróleo e/ou gás para as mãos do capital privado (nacional e/ou internacional).
Segundo a lei 9478/97:
" A Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRÁS transferirá para a ANP as informações e dados de que dispuser sobre as bacias sedimentares brasileiras, assim como sobre as atividades de pesquisa, exploração e produção de petróleo ou gás natural, desenvolvidas em função da exclusividade do exercício do monopólio até a publicação desta Lei."
Essas pesquisas e informações são importantes, e valem muito pelo que contém, bem como por demandarem muitos investimentos e tempo para serem obtidas. Se é a ANP quem estabelece a política de exploração, define as áreas que vão ser leiloadas, essas informações ganham uma dimensão maior, pois podem ser úteis ao capital privado. Mesmo que a ANP diga que vai de alguma forma remunerar a Petrobras pelas informações, o valor pago ainda será insuficiente.
As agências reguladoras (Anatel dos telefones, Anteel da eletricidade, ANP do petróleo e outras) foram criadas durante o governo de FHC com a finalidade de serem blindagens, do ponto de vista institucional, das políticas neoliberalismo no Brasil. Elas cumpriram e cumprem um papel muito importante durante os processos de privatização de diversas empresas e serviços públicos, como energia elétrica, telefonia, apesar do governo dizer que elas são importantes instituições democráticas e que servem para assegurar os direitos dos consumidores.
Essa política de concessão da exploração do petróleo e gás via leilões de blocos fere o princípio do monopólio estatal. Elas são formas de privatização, como demanda a lógica neoliberal, mesmo que de forma disfarçada e fragmentada. Mas os trabalhadores estão atentos e oferecendo resistência. É importante nos determos na tática dos governos ao implantarem políticas antipopulares Ao serem derrotados junto à opinião pública, mesmo contando com o apoio dos meios de comunicação dominados pelas elites, tentam aprovar as políticas de forma fragmentada. Podemos fazer uma analogia com os blocos leiloados pela ANP, e dizer que as políticas vão sendo passadas em blocos pequenos, em medidas, decretos, e de outras formas. Foi isso que ocorreu, e continua ocorrendo, com as (contra)reformas da previdência social, universitária e trabalhista. A lógica é a seguinte: muda-se aqui e ali, e desta maneira vão sendo criadas as condições para o avanço do neoliberalismo. Isso mostra o seu caráter antidemocrático, pois a medida em que encontram dificuldades de implementar essas políticas sem resistência, se utilizam dessas manobras para garantir o cumprimento da agenda imposta pelos organismos multilaterais.
As políticas neoliberais têm sido desastrosas. Elas contribuem para a ampliação das desigualdades, para a precarização nas relações de trabalho e nas condições de vida de maneira geral. As conquistas realizadas pela classe trabalhadora vêm sendo perdidas, os direitos têm sido retirados e transformados em serviços privados que são vendidos no balcão capitalista.
Dessa forma, o direito à saúde, à educação de qualidade, à previdência social se tornam mercadorias a serem adquiridas através do consumo, viram matérias de especulação para o mercado. Quem consome neste país? Como os trabalhadores precarizados, subempregados e desempregados vão consumir educação, saúde, e previdência social? O neoliberalismo é uma das faces mais perversas do capitalismo, pois nele não há compromisso algum com valores humanistas, solidários. Sua lógica é predatória, e seu único compromisso é com o lucro.
O governo Lula tem seguido a agenda de implementação das políticas neoliberais. E tem feito as reformas (contra-reformas) neoliberais, que haviam sido radicalizadas durante o governo FHC. Também segue com a realização dos leilões do setor de petróleo e gás. E, por outro lado, continua a paralisia em relação à Reforma Agrária.
Os leilões do governo FHC entregaram ao setor privado nacional e internacional empresas estratégicas, como a CSN, a Vale do Rio Doce, as empresas do setor elétrico, da telefonia, estradas, entre outras. Essa experiência nos mostra como estes setores são lucrativos e que as vendas foram feitas com prejuízos diversos, a saber: 1) o valor de venda é bem inferior ao do patrimônio das empresas, e das suas possibilidades de rendimento; 2) as empresas estão situadas em setores estratégicos da economia, para pensar o desenvolvimento nacional; 3) pelos tipos de serviços que essas empresas recebem, e pela incapacidade de incentivar a livre iniciativa como eles alardeiam; 4) a gestão privada não é superior à pública, há dificuldade de interlocução para resolver problemas dos consumidores. As Agências que estariam garantindo que o cumprimento dos contratos, bem como protegendo o direito dos consumidores, não exercem devidamente este papel, não há gerência sobre as suas atividades e nem controle por parte da população.
A venda da Companhia Vale do Rio Doce é um caso à parte na história das privatizações, pois a infra-estrutura e as reservas que foram leiloadas são bem superiores ao valor pago. Além disso, ainda é uma empresa que detém boa parte das reservas de minério do Brasil. Essa privatização serviu de experiência para as ações futuras, bem como a da CSN, pois em ambas ocorreu um intenso confronto com os amplos setores da sociedade que não concordavam com a venda dessas empresas, principalmente por elas terem se dado da forma ilícita como foi.
Os movimentos sociais estão organizados para tentar impedir os leilões, e têm a clareza que eles são formas de privatização do petróleo, de entrega dos recursos naturais para as multinacionais. Não podemos entregar assim uma fonte de energia estratégica. Vejamos o exemplo da eleição de governos como de Hugo Chávez, que vem adotando políticas que visam à melhoria das condições de vida do povo venezuelano com a utilização do petróleo, e também para garantir um enfrentamento com os EUA não ser isolado, como o que ocorreu com Cuba. Essa receita vem sendo a mesma adotada por Evo Morales, não porque está copiando Chávez, mas sim como resultado das lutas travadas para que os recursos dos hidrocarbonetos fossem destinados a atender às demandas da classe trabalhadora por melhores condições de vida.
Também é importante nos perguntarmos por que o governo estadunidense, juntamente com outras potenciais econômicas e militares, vem promovendo uma guerra pelo petróleo disfarçada de "guerra ao terror". O petróleo, a indústria bélica, as empreiteiras repensáveis pela reconstrução após as guerras são alguns dos motivos que levam esses países a travarem uma luta pelo lucro, que elimina vidas humanas e depreda a natureza.
O bloco histórico no poder, para garantir a hegemonia frente à "opinião pública", constrói justificativas para as políticas neoliberais. Não é diferente no caso dos leilões do petróleo. Os discursos mais recorrentes para a defesa dos leilões são: 1) já que a Petrobras explora petróleo em outros países, nada mais justo que leiloar áreas brasileiras para empresas multinacionais, 2) outro argumento fala de uma necessidade (do capital) de incentivar a livre concorrência, e que o monopólio estatal seria danoso para esse processo de abertura do mercado (declaração dada pelo diretor geral da ANP, Haroldo Lima.) 3)um último argumento diz que com o avanço do debate sobre os agrocombustíveis como energia limpa e renovável a nossa dependência do petróleo seria superada, pois a produção a nossa produção seria capaz de abastecer o mercado. Uma primeira pergunta que deve ser feita é: O que é uma energia limpa? Se for à custa da vida dos trabalhadores mortos por exaustão, ou pelo latifúndio que expulsa o agricultor do campo e degrada o meio ambiente, certamente não será uma energia limpa. Pelo contrário, será uma energia suja de sangue, de agrotóxico Esse modelo de produção de biodiesel e de etanol não contempla a pequena agricultura, e não contribui para mudara relação de produção no campo, pelo contrário ele aprofunda a concentração e a entrada do grande capital no campo brasileiro, ou seja, serve apenas para ampliar as possibilidades de reprodução do capital no campo brasileiro.
É necessário impedir os leilões do petróleo, e pensar uma política diferente para o petróleo e gás, e para a implementação do programa do biodiesel, do etanol, que gere emprego no campo, e que respeite o meio-ambiente, para isso é necessário ser contruída uma nova lei que regule o petróleo e gás e os agrocombustíveis, que permita um controle social maior, com a participação dos trabalhadores.
O homem sabe como produzir energia do sol, dos ventos, das ondas do mar, mas continuamos com o mesmo padrão energético, temos que pensar em alternativas para o petróleo, para o planeta. Por isso é importante que a política para a energia no Brasil esteja aberta a participação democrática.
Algumas Referências:
http://www.petrobras.com.br/
http://www.anp.gov.br/conheca/lei.asp?cap=1#ini
[1] A campanha foi importante e se estendeu de 1947 a 1953
[2] O Clube Militar foi um espaço muito importante para a construção de um debate sobre o Petróleo, e para a consolidação da vitória do grupo que defendia o monopólio estatal, temos a UNE muito ativa, bem como a esquerda de modo geral
[3] No período em que a Petrobras foi criada e que o governo brasileiro optou pelo monopólio estatal do petróleo as políticas que hoje são conhecidas como neoliberais não estava com muita força junto à "opinião pública", o pensamento predominante apoiava um estado forte, interventor.
Mardonio Barros (MST/Observatório da Indústria Cultural)
A partir da década de 1930, temos intensos debates envolvendo grupos que achavam que o petróleo deveria ser controlado pelo estado, e outros que achavam que ele deveria ficar a sorte do mercado. Mais uma vez, vemos os nacionalistas em confronto com os interesses defendidos pelos grupos que queriam entregar a produção de petróleo às multinacionais. Um dos momentos mais importantes deste debate na sociedade foi a campanha "O petróleo é nosso [1]", que contou com a participação de militares [2], artistas, movimento estudantil, partidos, movimentos sociais, ou seja, a sociedade estava participando ativamente da construção das políticas para o petróleo brasileiro.
Finalmente, em 1951, o então presidente Getúlio Vargas enviou ao Congresso o projeto 1516, que consistia na criação de uma empresa de capital misto, com controle majoritário pelo governo brasileiro (vejam como história se repete!). Entretanto, a proposta vitoriosa em 1953 foi a que definia a favor do monopólio estatal do petróleo, e da criação da Petrobras.
Ao longo desses anos, a empresa vem crescendo e tem tido um papel importante no desenvolvimento nacional. A Petrobras produziu tecnologias de exploração pioneiras, tais como a de águas profundas. E manteve um compromisso de produzir prioritariamente para o abastecimento do mercado interno.
Os embates acerca do petróleo que ocorrem entre os setores privatistas mais diretamente ligados ao imperialismo, e os nacionalistas, bem como os antiimperialistas, foram reeditados quando o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) [3], grande implementador das políticas neoliberais no Brasil, criou mecanismos que possibilitavam a abertura para o capital internacional explorar o petróleo no Brasil. A criação da Lei Nº. 9478, de 06 de agosto de 1997, que trata política energética brasileira e do monopólio do petróleo e gás, é certamente um dos pontos mais importantes para entendermos os rumos que o governo brasileiro adotou para a política energética. Ela significa um grande retrocesso das conquistas realizadas pelo povo brasileiro, que foram realizadas através de intensos debates e muita participação popular. A Referida lei definiu que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) seria a responsável por organizar licitações/leilões de áreas produtoras de petróleo para a exploração. Cita ainda a necessidade de incentivar a livre iniciativa. Os leilões se configuram como formas de transferência de áreas potenciais de produção de petróleo e/ou gás para as mãos do capital privado (nacional e/ou internacional).
Segundo a lei 9478/97:
" A Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRÁS transferirá para a ANP as informações e dados de que dispuser sobre as bacias sedimentares brasileiras, assim como sobre as atividades de pesquisa, exploração e produção de petróleo ou gás natural, desenvolvidas em função da exclusividade do exercício do monopólio até a publicação desta Lei."
Essas pesquisas e informações são importantes, e valem muito pelo que contém, bem como por demandarem muitos investimentos e tempo para serem obtidas. Se é a ANP quem estabelece a política de exploração, define as áreas que vão ser leiloadas, essas informações ganham uma dimensão maior, pois podem ser úteis ao capital privado. Mesmo que a ANP diga que vai de alguma forma remunerar a Petrobras pelas informações, o valor pago ainda será insuficiente.
As agências reguladoras (Anatel dos telefones, Anteel da eletricidade, ANP do petróleo e outras) foram criadas durante o governo de FHC com a finalidade de serem blindagens, do ponto de vista institucional, das políticas neoliberalismo no Brasil. Elas cumpriram e cumprem um papel muito importante durante os processos de privatização de diversas empresas e serviços públicos, como energia elétrica, telefonia, apesar do governo dizer que elas são importantes instituições democráticas e que servem para assegurar os direitos dos consumidores.
Essa política de concessão da exploração do petróleo e gás via leilões de blocos fere o princípio do monopólio estatal. Elas são formas de privatização, como demanda a lógica neoliberal, mesmo que de forma disfarçada e fragmentada. Mas os trabalhadores estão atentos e oferecendo resistência. É importante nos determos na tática dos governos ao implantarem políticas antipopulares Ao serem derrotados junto à opinião pública, mesmo contando com o apoio dos meios de comunicação dominados pelas elites, tentam aprovar as políticas de forma fragmentada. Podemos fazer uma analogia com os blocos leiloados pela ANP, e dizer que as políticas vão sendo passadas em blocos pequenos, em medidas, decretos, e de outras formas. Foi isso que ocorreu, e continua ocorrendo, com as (contra)reformas da previdência social, universitária e trabalhista. A lógica é a seguinte: muda-se aqui e ali, e desta maneira vão sendo criadas as condições para o avanço do neoliberalismo. Isso mostra o seu caráter antidemocrático, pois a medida em que encontram dificuldades de implementar essas políticas sem resistência, se utilizam dessas manobras para garantir o cumprimento da agenda imposta pelos organismos multilaterais.
As políticas neoliberais têm sido desastrosas. Elas contribuem para a ampliação das desigualdades, para a precarização nas relações de trabalho e nas condições de vida de maneira geral. As conquistas realizadas pela classe trabalhadora vêm sendo perdidas, os direitos têm sido retirados e transformados em serviços privados que são vendidos no balcão capitalista.
Dessa forma, o direito à saúde, à educação de qualidade, à previdência social se tornam mercadorias a serem adquiridas através do consumo, viram matérias de especulação para o mercado. Quem consome neste país? Como os trabalhadores precarizados, subempregados e desempregados vão consumir educação, saúde, e previdência social? O neoliberalismo é uma das faces mais perversas do capitalismo, pois nele não há compromisso algum com valores humanistas, solidários. Sua lógica é predatória, e seu único compromisso é com o lucro.
O governo Lula tem seguido a agenda de implementação das políticas neoliberais. E tem feito as reformas (contra-reformas) neoliberais, que haviam sido radicalizadas durante o governo FHC. Também segue com a realização dos leilões do setor de petróleo e gás. E, por outro lado, continua a paralisia em relação à Reforma Agrária.
Os leilões do governo FHC entregaram ao setor privado nacional e internacional empresas estratégicas, como a CSN, a Vale do Rio Doce, as empresas do setor elétrico, da telefonia, estradas, entre outras. Essa experiência nos mostra como estes setores são lucrativos e que as vendas foram feitas com prejuízos diversos, a saber: 1) o valor de venda é bem inferior ao do patrimônio das empresas, e das suas possibilidades de rendimento; 2) as empresas estão situadas em setores estratégicos da economia, para pensar o desenvolvimento nacional; 3) pelos tipos de serviços que essas empresas recebem, e pela incapacidade de incentivar a livre iniciativa como eles alardeiam; 4) a gestão privada não é superior à pública, há dificuldade de interlocução para resolver problemas dos consumidores. As Agências que estariam garantindo que o cumprimento dos contratos, bem como protegendo o direito dos consumidores, não exercem devidamente este papel, não há gerência sobre as suas atividades e nem controle por parte da população.
A venda da Companhia Vale do Rio Doce é um caso à parte na história das privatizações, pois a infra-estrutura e as reservas que foram leiloadas são bem superiores ao valor pago. Além disso, ainda é uma empresa que detém boa parte das reservas de minério do Brasil. Essa privatização serviu de experiência para as ações futuras, bem como a da CSN, pois em ambas ocorreu um intenso confronto com os amplos setores da sociedade que não concordavam com a venda dessas empresas, principalmente por elas terem se dado da forma ilícita como foi.
Os movimentos sociais estão organizados para tentar impedir os leilões, e têm a clareza que eles são formas de privatização do petróleo, de entrega dos recursos naturais para as multinacionais. Não podemos entregar assim uma fonte de energia estratégica. Vejamos o exemplo da eleição de governos como de Hugo Chávez, que vem adotando políticas que visam à melhoria das condições de vida do povo venezuelano com a utilização do petróleo, e também para garantir um enfrentamento com os EUA não ser isolado, como o que ocorreu com Cuba. Essa receita vem sendo a mesma adotada por Evo Morales, não porque está copiando Chávez, mas sim como resultado das lutas travadas para que os recursos dos hidrocarbonetos fossem destinados a atender às demandas da classe trabalhadora por melhores condições de vida.
Também é importante nos perguntarmos por que o governo estadunidense, juntamente com outras potenciais econômicas e militares, vem promovendo uma guerra pelo petróleo disfarçada de "guerra ao terror". O petróleo, a indústria bélica, as empreiteiras repensáveis pela reconstrução após as guerras são alguns dos motivos que levam esses países a travarem uma luta pelo lucro, que elimina vidas humanas e depreda a natureza.
O bloco histórico no poder, para garantir a hegemonia frente à "opinião pública", constrói justificativas para as políticas neoliberais. Não é diferente no caso dos leilões do petróleo. Os discursos mais recorrentes para a defesa dos leilões são: 1) já que a Petrobras explora petróleo em outros países, nada mais justo que leiloar áreas brasileiras para empresas multinacionais, 2) outro argumento fala de uma necessidade (do capital) de incentivar a livre concorrência, e que o monopólio estatal seria danoso para esse processo de abertura do mercado (declaração dada pelo diretor geral da ANP, Haroldo Lima.) 3)um último argumento diz que com o avanço do debate sobre os agrocombustíveis como energia limpa e renovável a nossa dependência do petróleo seria superada, pois a produção a nossa produção seria capaz de abastecer o mercado. Uma primeira pergunta que deve ser feita é: O que é uma energia limpa? Se for à custa da vida dos trabalhadores mortos por exaustão, ou pelo latifúndio que expulsa o agricultor do campo e degrada o meio ambiente, certamente não será uma energia limpa. Pelo contrário, será uma energia suja de sangue, de agrotóxico Esse modelo de produção de biodiesel e de etanol não contempla a pequena agricultura, e não contribui para mudara relação de produção no campo, pelo contrário ele aprofunda a concentração e a entrada do grande capital no campo brasileiro, ou seja, serve apenas para ampliar as possibilidades de reprodução do capital no campo brasileiro.
É necessário impedir os leilões do petróleo, e pensar uma política diferente para o petróleo e gás, e para a implementação do programa do biodiesel, do etanol, que gere emprego no campo, e que respeite o meio-ambiente, para isso é necessário ser contruída uma nova lei que regule o petróleo e gás e os agrocombustíveis, que permita um controle social maior, com a participação dos trabalhadores.
O homem sabe como produzir energia do sol, dos ventos, das ondas do mar, mas continuamos com o mesmo padrão energético, temos que pensar em alternativas para o petróleo, para o planeta. Por isso é importante que a política para a energia no Brasil esteja aberta a participação democrática.
Algumas Referências:
http://www.petrobras.com.br/
http://www.anp.gov.br/conheca/lei.asp?cap=1#ini
[1] A campanha foi importante e se estendeu de 1947 a 1953
[2] O Clube Militar foi um espaço muito importante para a construção de um debate sobre o Petróleo, e para a consolidação da vitória do grupo que defendia o monopólio estatal, temos a UNE muito ativa, bem como a esquerda de modo geral
[3] No período em que a Petrobras foi criada e que o governo brasileiro optou pelo monopólio estatal do petróleo as políticas que hoje são conhecidas como neoliberais não estava com muita força junto à "opinião pública", o pensamento predominante apoiava um estado forte, interventor.
Mardonio Barros (MST/Observatório da Indústria Cultural)
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Tudo Igual no Reino Neoliberal
A revista Época, em sua edição de Nº 490, de outubro de 2007, trouxe diversas seções nas quais tratou do tema da gestão pública. Essa mesma temática pode ser encontrada estampada nas páginas de todas as outras grandes revistas e jornais do país, que tratam a questão de forma muito semelhante..
As “semelhanças” no posicionamento destes veículos em relação às questões tratadas não são casuais, pelo contrário elas têm orientação e propósitos muito claros. Apesar da diferença que possa existir entre um veículo e outro, temos alguns aspectos sobre os quais se erguem os discursos de crítica ao modelo de gestão estatal no Brasil. Segundo o discurso da mídia, e de seus “especialistas”, que têm em comum serem defensores do capitalismo e das políticas neoliberais, o estado brasileiro é lento e ineficiente, diferente do mercado que é ágil e eficiente. Portanto, para o país se desenvolver, na perspectiva neoliberal de desenvolvimento, é necessário que o estado se “retire” de algumas áreas cujo mercado tem interesse de ocupar, e que também passe por um “choque de gestão”, que implica a sua redução, para que ele possa ficar mais ágil. Mas não basta só reduzir, é necessário o estabelecimento de metas de produtividade, que possibilitem a otimização do estado a partir do “capital humano” existente.
Um exemplo dado pela revista Época de caso bem sucedido é o da privatização da companhia Vale do Rio Doce, que foi vendida por US$ 10,4 bilhões, em 1997, e que dez anos depois, misteriosamente, foi avaliada em cerca de US$ 150 bilhões. Vale lembrar que cambio está hoje sob outras regras.
Essa campanha da “eficiência” e dos “benefícios” trazidos com a privatização da Vale surge justamente quando diversos movimentos sociais organizam várias iniciativas para contestar o processo de privatização da empresa, que foi vendida por um valor inferior ao que valia na época. Mais uma vez, vemos a “neutralidade da mídia”, expressa na sua defesa do projeto de modernização capitalista, que na contemporaneidade assume a feição neoliberal.
O discurso único dos meios de comunicação nos serve como indicativo de que a mídia não é neutra, apesar de quererem nos dizer isso. Ela defende um projeto, que é o da burguesia. Por isso, tanta preocupação com a campanha “A Vale é Nossa!”, tanta preocupação com as idéias socialistas, e a esquerda.
Apesar da morte de Hitler e Mussolini encontramos viva a chama do fascismo, que nas páginas destes veículos de comunicação, reproduzem o discurso de perseguição e condenação ao ideário socialista. Na mesma edição da Época, já citada, o colunista Gustavo Franco afirma que “o capitalismo venceu, e o socialismo foi uma catástrofe, ao contrário do que dizem os livros didáticos que o governo distribui.” [1] para estes “especialistas neutros” a história chegou ao fim, como defendia Francis Fukuyama, e o capitalismo é a única e melhor saída para a humanidade.
Esta perseguição aos socialistas se intensifica, em tempos em que os trabalhadores desempregados se multiplicam em proporções cada vez maiores, e em que as condições de trabalho se tornam cada vez mais precárias. De onde resultam essas condições se não da própria modernidade capitalista.
Apesar de quererem naturalizar a existência do capitalismo, e de perseguirem os socialistas, há levantes populares em várias partes do mundo, o socialismo vive no coração e nas mentes de milhões de homens e mulheres. Enquanto existir desigualdade no mundo os trabalhadores estarão construindo seus instrumentos de organização, e sua proposta para a humanidade.
Para a burguesia não basta prender, matar os trabalhadores descartáveis, que não cabem no mundo produtivo do capital, é preciso destruir os sonhos de emancipação da classe trabalhadora.
Por isso, os livros de Mário Schmidt incomodam tanto, por isso educação do MST, assim como a sua luta é um problema para a burguesia. Enquanto isso, oito páginas da mesma edição louvam o programa de Educação da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
[1] Nessa passagem o autor faz referência aos livros didáticos da coleção Nova história Crítica, escritos pelo historiador fluminense Mário Schmidt)
Mardonio Barros(MST/Observatório da Indústria Cultural)
As “semelhanças” no posicionamento destes veículos em relação às questões tratadas não são casuais, pelo contrário elas têm orientação e propósitos muito claros. Apesar da diferença que possa existir entre um veículo e outro, temos alguns aspectos sobre os quais se erguem os discursos de crítica ao modelo de gestão estatal no Brasil. Segundo o discurso da mídia, e de seus “especialistas”, que têm em comum serem defensores do capitalismo e das políticas neoliberais, o estado brasileiro é lento e ineficiente, diferente do mercado que é ágil e eficiente. Portanto, para o país se desenvolver, na perspectiva neoliberal de desenvolvimento, é necessário que o estado se “retire” de algumas áreas cujo mercado tem interesse de ocupar, e que também passe por um “choque de gestão”, que implica a sua redução, para que ele possa ficar mais ágil. Mas não basta só reduzir, é necessário o estabelecimento de metas de produtividade, que possibilitem a otimização do estado a partir do “capital humano” existente.
Um exemplo dado pela revista Época de caso bem sucedido é o da privatização da companhia Vale do Rio Doce, que foi vendida por US$ 10,4 bilhões, em 1997, e que dez anos depois, misteriosamente, foi avaliada em cerca de US$ 150 bilhões. Vale lembrar que cambio está hoje sob outras regras.
Essa campanha da “eficiência” e dos “benefícios” trazidos com a privatização da Vale surge justamente quando diversos movimentos sociais organizam várias iniciativas para contestar o processo de privatização da empresa, que foi vendida por um valor inferior ao que valia na época. Mais uma vez, vemos a “neutralidade da mídia”, expressa na sua defesa do projeto de modernização capitalista, que na contemporaneidade assume a feição neoliberal.
O discurso único dos meios de comunicação nos serve como indicativo de que a mídia não é neutra, apesar de quererem nos dizer isso. Ela defende um projeto, que é o da burguesia. Por isso, tanta preocupação com a campanha “A Vale é Nossa!”, tanta preocupação com as idéias socialistas, e a esquerda.
Apesar da morte de Hitler e Mussolini encontramos viva a chama do fascismo, que nas páginas destes veículos de comunicação, reproduzem o discurso de perseguição e condenação ao ideário socialista. Na mesma edição da Época, já citada, o colunista Gustavo Franco afirma que “o capitalismo venceu, e o socialismo foi uma catástrofe, ao contrário do que dizem os livros didáticos que o governo distribui.” [1] para estes “especialistas neutros” a história chegou ao fim, como defendia Francis Fukuyama, e o capitalismo é a única e melhor saída para a humanidade.
Esta perseguição aos socialistas se intensifica, em tempos em que os trabalhadores desempregados se multiplicam em proporções cada vez maiores, e em que as condições de trabalho se tornam cada vez mais precárias. De onde resultam essas condições se não da própria modernidade capitalista.
Apesar de quererem naturalizar a existência do capitalismo, e de perseguirem os socialistas, há levantes populares em várias partes do mundo, o socialismo vive no coração e nas mentes de milhões de homens e mulheres. Enquanto existir desigualdade no mundo os trabalhadores estarão construindo seus instrumentos de organização, e sua proposta para a humanidade.
Para a burguesia não basta prender, matar os trabalhadores descartáveis, que não cabem no mundo produtivo do capital, é preciso destruir os sonhos de emancipação da classe trabalhadora.
Por isso, os livros de Mário Schmidt incomodam tanto, por isso educação do MST, assim como a sua luta é um problema para a burguesia. Enquanto isso, oito páginas da mesma edição louvam o programa de Educação da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
[1] Nessa passagem o autor faz referência aos livros didáticos da coleção Nova história Crítica, escritos pelo historiador fluminense Mário Schmidt)
Mardonio Barros(MST/Observatório da Indústria Cultural)
Tropa DA elite ou Matou na favela e foi ao cinema
“Homem de preto,
qual é sua missão?
É invadir favela
E deixar corpo no chão.”
Esse “canto de guerra” é um dos muitos entoados pelo BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) nos seus treinamentos. Muito significativo e direto, já que mostra claramente onde se localizam os inimigos a serem abatidos. Trata-se de uma guerra contra os pobres, recrudescida em tempos neoliberais nos quais a contrapartida da criação de uma sociedade do desemprego é a necessidade das classes dominantes ampliarem não somente os meios para obtenção do consenso, mas também os instrumentos coercitivos que mantenham os oprimidos sob controle.
Em meio às crescentes denúncias contra a atuação do BOPE nas favelas cariocas, que se pauta por uma política deliberada de extermínio ao arrepio do Estado de direito, surgem nas ruas da cidade cópias do filme Tropa de elite, antes mesmo de seu lançamento no cinema, previsto para o mês de outubro. Tropa de elite já é um sucesso de público, está “na boca do povo”, fascina adolescentes e mesmo crianças de classe média, e reúne no orkut uma comunidade com mais de 55 mil membros. Virou também assunto da imprensa, devido ao suposto vazamento da cópia não autorizada, que acarretou processos e ameaças de prisão dos envolvidos.
Com produção no estilo hollywoodiano, o filme tem como ponto de partida o livro Elite da tropa, escrito pelo sociólogo e ex-subsecretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro Luiz Eduardo Soares, pelo capitão do BOPE André Batista (negociador no seqüestro do ônibus 174) e por Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE. Mas não reproduz fielmente nas telas as histórias nele contadas. O personagem central nessa articulação é Rodrigo Pimentel, um dos roteiristas do filme. Pimentel foi “descoberto” no documentário Notícias de uma guerra particular, de 1997, dirigido por João Moreira Salles e Kátia Lund e forneceu o mote do título do filme, enunciando uma tese que vem ganhando fôlego e pautando as políticas de segurança pública do Estado: vivemos num estado de guerra entre, de um lado, o Estado e os “cidadãos de bem” e, de outro, os bandidos/traficantes. E não se trata de qualquer guerra. Mas sim de uma guerra total que, nos moldes da “guerra ao terror” empreendida por Bush, justifica a suspensão dos direitos humanos e legitima práticas ilegais como torturas e execuções sumárias com base na idéia de que elas são necessárias para garantir a segurança pública. É preciso lembrar ainda que argumento semelhante foi amplamente utilizado, na história recente do país, para justificar os arbítrios cometidos pelo Estado durante a ditadura militar. No caso do filme, é o narrador, capitão Nascimento, que afirma: “se o BOPE não existisse, os traficantes já teriam tomado a cidade há muito tempo”. Nessa lógica de um tudo ou nada distorcido, quem defende direitos humanos, defende os bandidos e é cúmplice da violência urbana que assola a cidade.
Cúmplices são também os que consomem as drogas ilícitas vendidas nas favelas. O tráfico de armas (e a indústria bélica que dele se beneficia), as ligações extra-favela do tráfico que, como todos sabem, atingem autoridades que organizam de fato as redes do crime, cujo elo mais fraco são os “vagabundos” assassinados cotidianamente pelo Estado, não são levados em conta nesse argumento. Numa das cenas mais chocantes do filme, capitão Nascimento, após comandar uma ação que resulta na morte de um traficante, esfrega o rosto de um estudante, que estava na favela consumindo drogas, em cima do sangue que sai do buraco aberto pela bala no peito do jovem morto e pergunta se ele sabia quem havia matado o rapaz. O estudante diz que foi um dos policiais, ao que Nascimento responde: “um de vocês é o caralho! Quem matou esse cara aqui foi você. Seu viado, seu maconheiro, é você quem financia essa merda. A gente sobe aqui pra desfazer a merda que vocês fazem.”
Portanto, coerção e consumo estão no centro das teses que organizam o filme.
Tropa de elite conta a história do drama privado do capitão Nascimento, significativo nome para um oficial “padrão” de uma polícia que tem como símbolo uma faca na caveira. Capitão Nascimento vai ser pai e o nascimento de seu filho o impulsiona a buscar um substituto no comando de uma guarnição do BOPE. Cansado da “guerra” cotidiana travada nas favelas cariocas, com síndrome do pânico e pressionado pela esposa grávida, Nascimento é um herói humanizado, um personagem complexo, ao mesmo tempo forte, incorruptível, carismático e também frágil, capaz de sentir remorsos pela morte de um menino fogueteiro, denominado por ele “sementinha do mal”, que resulta de uma operação sob seu comando.
Os candidatos a substituto de Nascimento são Neto e Matias, aspirantes a oficiais da polícia militar que se negam a participar dos esquemas de corrupção da corporação e, por conta disso, acabam se incorporando ao curso preparatório do BOPE. Neto é descrito como tendo a polícia no coração. Destemido e impulsivo, exímio atirador, gostava dos combates nas favelas e era o favorito de Nascimento. Seu amigo Matias, negro e de origem pobre, era mais racional, “gostava da lei” e se dividia entre ser estudante de direito da PUC e pertencer à polícia. Seguindo a classificação de Nascimento, os policiais cariocas só têm três alternativas: “ou se corrompem, ou se omitem ou vão para guerra”. Aprendizes de heróis, Neto e Matias só poderiam seguir a terceira opção.
Por conta da faculdade, Matias se envolve com uma menina de classe média alta que dirige uma ONG patrocinada por um político no Morro dos Prazeres e “fechada” com o chefe do tráfico na favela. A princípio, seus colegas da faculdade, ligados à ONG, não sabem que Matias é policial. Todos os estudantes são consumidores de drogas ilícitas. Um deles é “avião” e vende drogas na universidade.
Baiano, o chefe do tráfico na favela da ONG, assim como os colegas e a namorada de Matias descobrem que ele é policial através de uma foto que sai publicada nas páginas de um jornal. Esse fato desencadeia uma série de eventos que culminam na morte de Neto e na conversão definitiva de Matias em oficial do BOPE durante a caça a Baiano, motivada pela necessidade de vingar a morte do amigo. O policial que “gostava da lei” passa a torturar e executar, provando assim sua conversão de corpo e alma. O homem preto se torna homem de preto, “caveira, meu capitão”.
Nossos mariners tupiniquins são apresentados como soldados muito bem treinados, capazes de suportar um treinamento destinado a poucos, uma elite exemplar com um papel fundamental no estado de sítio em que vivemos: conter os pobres. Tropa de elite recolhendo corpos supérfluos daqueles que, em outros tempos, eram exército de reserva de mão-de-obra e que hoje, em meio ao desemprego estrutural e à ditadura do capital financeiro, são o lixo da sociedade.
A necessidade de conter (e mesmo eliminar) os pobres é o objetivo dessa guerra particular ou privada e, nesse contexto, uma tropa de elite se configura como uma tropa DA elite, necessária para garantir a ordem e o respeito à propriedade privada. Isso explica porque 100% das operações do BOPE são realizadas em favelas.
No filme, o discurso que legitima o BOPE e suas ações é persuasivo e se articula em três níveis. Num primeiro nível, o BOPE aparece como uma resposta à ineficiência e corrupção da “polícia convencional” e aos políticos que a alimentam. Assim, essa elite de policiais é apresentada como incorruptível e como um padrão a ser seguido, de referência internacional. O lema “faca na caveira e nada na carteira” resume esse discurso moralista e pragmático que atende perfeitamente aos apelos midiáticos por ordem e moralidade.
Um segundo nível pode ser identificado na apresentação do BOPE como uma seita que, através de um árduo rito de passagem – o curso de treinamento -, seleciona homens fortes, honestos e “formados na base da porrada”, preparados para resistir às piores provações. A seleção é a base da consolidação de uma camaradagem entre essa elite, em oposição àqueles que “nunca serão”, reatualizada nas práticas cotidianas de transgressão da lei. Numa das cenas do filme, um coronel e seus comandados, entre eles Nascimento, estão organizando as turmas do curso preparatório. Entre risadas e num clima descontraído, o coronel diz que não quer saber de tímpano perfurado em aula inaugural e de mão cortada. Mesma complacência para com os “excessos”, que afinal sempre podem ser “merecidos”, que ocorrem durante as operações nas favelas. Em tempos de fragmentação, individualismo e consumismo, podemos imaginar o apelo desse discurso que louva um corpo de homens unidos por um forte sentimento de pertencimento a uma elite e por um orgulho quase racial, seres superiores, elevados, em meio ao mundo de miséria, fraqueza e corrupção. Homens de caráter em tempos de corrosão do caráter.[1]
O terceiro nível desse discurso persuasivo é o do indivíduo, de seus dramas pessoais, que humaniza o herói e o aproxima dos seres humanos comuns, capazes de se reconhecerem e se identificarem com ele. Capitão Nascimento é o herói que sacrifica a vida pessoal e que não estende sua brutalização à vida privada. Como na cena em que ele, durante uma operação na favela, logo depois de se emocionar ao ouvir ao celular o coração do filho batendo na barriga da mãe, manda seu subordinado atirar dizendo: “senta o dedo nessa porra!”. Ou no momento em que, de farda, vindo da “guerra”, chora ao ver seu filho recém-nascido na maternidade. Nascimento trata sua mulher de forma amorosa e se sensibiliza com as pressões que ela faz para que ele saia do BOPE. Com exceção de uma cena, após a morte de Neto, a única em que ele aparece fardado no ambiente doméstico, na qual ele grita: “quem manda nessa porra aqui sou eu e você não vai mais abrir a boca para falar do meu batalhão nessa casa”. Significativamente, após impor seu comando em casa, ele fica curado dos ataques de pânico e joga fora os medicamentos psiquiátricos que estava usando.
Todos esses níveis se articulam em torno da naturalização da idéia de que vivemos num estado de exceção, uma situação atípica que demandaria regras também atípicas para sua solução. Essa naturalização permite um relativismo de valores e práticas, de direitos e garantias no que dizem respeito à dignidade da vida humana. Falar em direitos humanos não faz nenhum sentido num estado de coisas que institui valores desiguais para as vidas humanas de acordo com critérios como cor da pele, origem social e mesmo idade, já que os jovens pobres e negros são hoje as principais vítimas de homicídios, bem como formam a maioria da população carcerária do país.
No entanto, é preciso afirmar que o estado de exceção na verdade é a regra sob o capitalismo, que não pode prescindir, sobretudo em sociedades dramaticamente desiguais como a brasileira, do trato brutal com os de baixo.
Não há como não lembrar aqui de um poema escrito por Bertolt Brecht num contexto de vitória do fascismo na Europa, no qual outros homens de preto, em defesa da ordem do capital, esvaziaram de significado a palavra humanidade:
A exceção e a regra
Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso.
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.
[1] Richard Sennet. A corrosão do caráter. Conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro, Record. 1999.
Adriana Facina (UFF/Observatório da Indústria Cultural)
Mardonio Barros(MST/Observatório da Indústria Cultural)
qual é sua missão?
É invadir favela
E deixar corpo no chão.”
Esse “canto de guerra” é um dos muitos entoados pelo BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) nos seus treinamentos. Muito significativo e direto, já que mostra claramente onde se localizam os inimigos a serem abatidos. Trata-se de uma guerra contra os pobres, recrudescida em tempos neoliberais nos quais a contrapartida da criação de uma sociedade do desemprego é a necessidade das classes dominantes ampliarem não somente os meios para obtenção do consenso, mas também os instrumentos coercitivos que mantenham os oprimidos sob controle.
Em meio às crescentes denúncias contra a atuação do BOPE nas favelas cariocas, que se pauta por uma política deliberada de extermínio ao arrepio do Estado de direito, surgem nas ruas da cidade cópias do filme Tropa de elite, antes mesmo de seu lançamento no cinema, previsto para o mês de outubro. Tropa de elite já é um sucesso de público, está “na boca do povo”, fascina adolescentes e mesmo crianças de classe média, e reúne no orkut uma comunidade com mais de 55 mil membros. Virou também assunto da imprensa, devido ao suposto vazamento da cópia não autorizada, que acarretou processos e ameaças de prisão dos envolvidos.
Com produção no estilo hollywoodiano, o filme tem como ponto de partida o livro Elite da tropa, escrito pelo sociólogo e ex-subsecretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro Luiz Eduardo Soares, pelo capitão do BOPE André Batista (negociador no seqüestro do ônibus 174) e por Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE. Mas não reproduz fielmente nas telas as histórias nele contadas. O personagem central nessa articulação é Rodrigo Pimentel, um dos roteiristas do filme. Pimentel foi “descoberto” no documentário Notícias de uma guerra particular, de 1997, dirigido por João Moreira Salles e Kátia Lund e forneceu o mote do título do filme, enunciando uma tese que vem ganhando fôlego e pautando as políticas de segurança pública do Estado: vivemos num estado de guerra entre, de um lado, o Estado e os “cidadãos de bem” e, de outro, os bandidos/traficantes. E não se trata de qualquer guerra. Mas sim de uma guerra total que, nos moldes da “guerra ao terror” empreendida por Bush, justifica a suspensão dos direitos humanos e legitima práticas ilegais como torturas e execuções sumárias com base na idéia de que elas são necessárias para garantir a segurança pública. É preciso lembrar ainda que argumento semelhante foi amplamente utilizado, na história recente do país, para justificar os arbítrios cometidos pelo Estado durante a ditadura militar. No caso do filme, é o narrador, capitão Nascimento, que afirma: “se o BOPE não existisse, os traficantes já teriam tomado a cidade há muito tempo”. Nessa lógica de um tudo ou nada distorcido, quem defende direitos humanos, defende os bandidos e é cúmplice da violência urbana que assola a cidade.
Cúmplices são também os que consomem as drogas ilícitas vendidas nas favelas. O tráfico de armas (e a indústria bélica que dele se beneficia), as ligações extra-favela do tráfico que, como todos sabem, atingem autoridades que organizam de fato as redes do crime, cujo elo mais fraco são os “vagabundos” assassinados cotidianamente pelo Estado, não são levados em conta nesse argumento. Numa das cenas mais chocantes do filme, capitão Nascimento, após comandar uma ação que resulta na morte de um traficante, esfrega o rosto de um estudante, que estava na favela consumindo drogas, em cima do sangue que sai do buraco aberto pela bala no peito do jovem morto e pergunta se ele sabia quem havia matado o rapaz. O estudante diz que foi um dos policiais, ao que Nascimento responde: “um de vocês é o caralho! Quem matou esse cara aqui foi você. Seu viado, seu maconheiro, é você quem financia essa merda. A gente sobe aqui pra desfazer a merda que vocês fazem.”
Portanto, coerção e consumo estão no centro das teses que organizam o filme.
Tropa de elite conta a história do drama privado do capitão Nascimento, significativo nome para um oficial “padrão” de uma polícia que tem como símbolo uma faca na caveira. Capitão Nascimento vai ser pai e o nascimento de seu filho o impulsiona a buscar um substituto no comando de uma guarnição do BOPE. Cansado da “guerra” cotidiana travada nas favelas cariocas, com síndrome do pânico e pressionado pela esposa grávida, Nascimento é um herói humanizado, um personagem complexo, ao mesmo tempo forte, incorruptível, carismático e também frágil, capaz de sentir remorsos pela morte de um menino fogueteiro, denominado por ele “sementinha do mal”, que resulta de uma operação sob seu comando.
Os candidatos a substituto de Nascimento são Neto e Matias, aspirantes a oficiais da polícia militar que se negam a participar dos esquemas de corrupção da corporação e, por conta disso, acabam se incorporando ao curso preparatório do BOPE. Neto é descrito como tendo a polícia no coração. Destemido e impulsivo, exímio atirador, gostava dos combates nas favelas e era o favorito de Nascimento. Seu amigo Matias, negro e de origem pobre, era mais racional, “gostava da lei” e se dividia entre ser estudante de direito da PUC e pertencer à polícia. Seguindo a classificação de Nascimento, os policiais cariocas só têm três alternativas: “ou se corrompem, ou se omitem ou vão para guerra”. Aprendizes de heróis, Neto e Matias só poderiam seguir a terceira opção.
Por conta da faculdade, Matias se envolve com uma menina de classe média alta que dirige uma ONG patrocinada por um político no Morro dos Prazeres e “fechada” com o chefe do tráfico na favela. A princípio, seus colegas da faculdade, ligados à ONG, não sabem que Matias é policial. Todos os estudantes são consumidores de drogas ilícitas. Um deles é “avião” e vende drogas na universidade.
Baiano, o chefe do tráfico na favela da ONG, assim como os colegas e a namorada de Matias descobrem que ele é policial através de uma foto que sai publicada nas páginas de um jornal. Esse fato desencadeia uma série de eventos que culminam na morte de Neto e na conversão definitiva de Matias em oficial do BOPE durante a caça a Baiano, motivada pela necessidade de vingar a morte do amigo. O policial que “gostava da lei” passa a torturar e executar, provando assim sua conversão de corpo e alma. O homem preto se torna homem de preto, “caveira, meu capitão”.
Nossos mariners tupiniquins são apresentados como soldados muito bem treinados, capazes de suportar um treinamento destinado a poucos, uma elite exemplar com um papel fundamental no estado de sítio em que vivemos: conter os pobres. Tropa de elite recolhendo corpos supérfluos daqueles que, em outros tempos, eram exército de reserva de mão-de-obra e que hoje, em meio ao desemprego estrutural e à ditadura do capital financeiro, são o lixo da sociedade.
A necessidade de conter (e mesmo eliminar) os pobres é o objetivo dessa guerra particular ou privada e, nesse contexto, uma tropa de elite se configura como uma tropa DA elite, necessária para garantir a ordem e o respeito à propriedade privada. Isso explica porque 100% das operações do BOPE são realizadas em favelas.
No filme, o discurso que legitima o BOPE e suas ações é persuasivo e se articula em três níveis. Num primeiro nível, o BOPE aparece como uma resposta à ineficiência e corrupção da “polícia convencional” e aos políticos que a alimentam. Assim, essa elite de policiais é apresentada como incorruptível e como um padrão a ser seguido, de referência internacional. O lema “faca na caveira e nada na carteira” resume esse discurso moralista e pragmático que atende perfeitamente aos apelos midiáticos por ordem e moralidade.
Um segundo nível pode ser identificado na apresentação do BOPE como uma seita que, através de um árduo rito de passagem – o curso de treinamento -, seleciona homens fortes, honestos e “formados na base da porrada”, preparados para resistir às piores provações. A seleção é a base da consolidação de uma camaradagem entre essa elite, em oposição àqueles que “nunca serão”, reatualizada nas práticas cotidianas de transgressão da lei. Numa das cenas do filme, um coronel e seus comandados, entre eles Nascimento, estão organizando as turmas do curso preparatório. Entre risadas e num clima descontraído, o coronel diz que não quer saber de tímpano perfurado em aula inaugural e de mão cortada. Mesma complacência para com os “excessos”, que afinal sempre podem ser “merecidos”, que ocorrem durante as operações nas favelas. Em tempos de fragmentação, individualismo e consumismo, podemos imaginar o apelo desse discurso que louva um corpo de homens unidos por um forte sentimento de pertencimento a uma elite e por um orgulho quase racial, seres superiores, elevados, em meio ao mundo de miséria, fraqueza e corrupção. Homens de caráter em tempos de corrosão do caráter.[1]
O terceiro nível desse discurso persuasivo é o do indivíduo, de seus dramas pessoais, que humaniza o herói e o aproxima dos seres humanos comuns, capazes de se reconhecerem e se identificarem com ele. Capitão Nascimento é o herói que sacrifica a vida pessoal e que não estende sua brutalização à vida privada. Como na cena em que ele, durante uma operação na favela, logo depois de se emocionar ao ouvir ao celular o coração do filho batendo na barriga da mãe, manda seu subordinado atirar dizendo: “senta o dedo nessa porra!”. Ou no momento em que, de farda, vindo da “guerra”, chora ao ver seu filho recém-nascido na maternidade. Nascimento trata sua mulher de forma amorosa e se sensibiliza com as pressões que ela faz para que ele saia do BOPE. Com exceção de uma cena, após a morte de Neto, a única em que ele aparece fardado no ambiente doméstico, na qual ele grita: “quem manda nessa porra aqui sou eu e você não vai mais abrir a boca para falar do meu batalhão nessa casa”. Significativamente, após impor seu comando em casa, ele fica curado dos ataques de pânico e joga fora os medicamentos psiquiátricos que estava usando.
Todos esses níveis se articulam em torno da naturalização da idéia de que vivemos num estado de exceção, uma situação atípica que demandaria regras também atípicas para sua solução. Essa naturalização permite um relativismo de valores e práticas, de direitos e garantias no que dizem respeito à dignidade da vida humana. Falar em direitos humanos não faz nenhum sentido num estado de coisas que institui valores desiguais para as vidas humanas de acordo com critérios como cor da pele, origem social e mesmo idade, já que os jovens pobres e negros são hoje as principais vítimas de homicídios, bem como formam a maioria da população carcerária do país.
No entanto, é preciso afirmar que o estado de exceção na verdade é a regra sob o capitalismo, que não pode prescindir, sobretudo em sociedades dramaticamente desiguais como a brasileira, do trato brutal com os de baixo.
Não há como não lembrar aqui de um poema escrito por Bertolt Brecht num contexto de vitória do fascismo na Europa, no qual outros homens de preto, em defesa da ordem do capital, esvaziaram de significado a palavra humanidade:
A exceção e a regra
Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso.
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.
[1] Richard Sennet. A corrosão do caráter. Conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro, Record. 1999.
Adriana Facina (UFF/Observatório da Indústria Cultural)
Mardonio Barros(MST/Observatório da Indústria Cultural)
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Flanar por aí... Da vadiagem à reflexão: ruas abertas de Fortaleza.
Hoje ao fim de um dia de trabalho, depois de ir de um lado para outro da cidade, “terminei”, por assim dizer, minha peregrinação por Fortaleza. Parei em uma livraria para procurar uns livros, e tomar café. Encontrei um livro que há muito tempo queria ter novamente, um livro do cronista João do Rio chamado: “A Alma Encantadora das Ruas”. Em um dos textos, bem no início do livro, o autor fala sobre nossa paixão pela rua. Digo nossa, dos humanos que nos encontramos na rua, que através dela chegamos aos muitos destinos, e que a ocupamos de múltiplas formas e sentidos.
A leitura do livro transportou-me para muitos lugares, e me fez pensar nos meus últimos trajetos. Em minhas peregrinações. Primeiro, lembrei de como a rua é o lugar do público, da vida que está fora da casa, e de como a rua tem se tornado o lugar do medo, do cansaço e das dificuldades. Não serei de todo pessimista sobre os “novos” sentidos das ruas, pois assim como João do Rio, amo-a, e acredito em seu papel humanizador.
A rua é o lugar de passagem, que divide os espaços da cidade, ao mesmo instante que nos faz ficar ligados através dela. Sempre que posso, eu saio flanando, sem destino, meio vadeando, meio refletindo sobre a vida e sobre o mundo. É andando, e percorrendo os caminhos que consigo perceber as contradições que se externalizam na rua. É no contato com o mundo que posso sentir-me mais humano, e mais participante da vida.
Vivemos no mundo das sensações, no mundo da imagem, dos sentidos, dos desejos, mesmo que estes últimos em alguma medida tenham sido encapsulados pela lógica do consumo imprimida pelo mundo do capital.
Nos caminhos de Fortaleza, podemos ver milhares de pessoas em situação de rua, que expressam a miséria. Vemos ruas sujas, que não acolhem os transeuntes. Temos ruas vivas, e ruas mortas. Ruas feridas pela miséria humana, pelo descaso com a vida, pelo pouco cuidado com o direito a beleza, e a esperança. As ruas de Fortaleza são lugares onde a contradição se mostra, onde a vida caninha sem esperança, e de cabeça baixa.
É preciso reagir, para resgatar a vida que pulsa nas ruas e nos corações dos que nelas transitam. Pois só assim, conseguiremos vencer o medo, a miséria, os buracos, a brutalidade cotidiana das relações que estabelecemos uns com os outros. É preciso encher as ruas de gente, que passeiem por elas, e que nelas se apaixonem umas pelas outras. E que nossa paixão pelas ruas, e pela vida possa dar novos nomes e sentidos as ruas onde nossos passos são dados.
por Mardonio Barros
A leitura do livro transportou-me para muitos lugares, e me fez pensar nos meus últimos trajetos. Em minhas peregrinações. Primeiro, lembrei de como a rua é o lugar do público, da vida que está fora da casa, e de como a rua tem se tornado o lugar do medo, do cansaço e das dificuldades. Não serei de todo pessimista sobre os “novos” sentidos das ruas, pois assim como João do Rio, amo-a, e acredito em seu papel humanizador.
A rua é o lugar de passagem, que divide os espaços da cidade, ao mesmo instante que nos faz ficar ligados através dela. Sempre que posso, eu saio flanando, sem destino, meio vadeando, meio refletindo sobre a vida e sobre o mundo. É andando, e percorrendo os caminhos que consigo perceber as contradições que se externalizam na rua. É no contato com o mundo que posso sentir-me mais humano, e mais participante da vida.
Vivemos no mundo das sensações, no mundo da imagem, dos sentidos, dos desejos, mesmo que estes últimos em alguma medida tenham sido encapsulados pela lógica do consumo imprimida pelo mundo do capital.
Nos caminhos de Fortaleza, podemos ver milhares de pessoas em situação de rua, que expressam a miséria. Vemos ruas sujas, que não acolhem os transeuntes. Temos ruas vivas, e ruas mortas. Ruas feridas pela miséria humana, pelo descaso com a vida, pelo pouco cuidado com o direito a beleza, e a esperança. As ruas de Fortaleza são lugares onde a contradição se mostra, onde a vida caninha sem esperança, e de cabeça baixa.
É preciso reagir, para resgatar a vida que pulsa nas ruas e nos corações dos que nelas transitam. Pois só assim, conseguiremos vencer o medo, a miséria, os buracos, a brutalidade cotidiana das relações que estabelecemos uns com os outros. É preciso encher as ruas de gente, que passeiem por elas, e que nelas se apaixonem umas pelas outras. E que nossa paixão pelas ruas, e pela vida possa dar novos nomes e sentidos as ruas onde nossos passos são dados.
por Mardonio Barros
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