terça-feira, 6 de julho de 2010

Eu não gosto de Best-seler!

por Mardonio Barros

"O espetáculo submete para si os homens
vivos, na medida em que a economia já os
submeteu totalmente. Ele não é nada
mais do que a economia desenvolvendo-se para
si própria. É o reflexo fiel da produção das
coisas, e a objetivação infiel dos produtores."(A Sociedade do Espetáculo - Guy Debord)


Dizer Eu não gosto de Best-seler! Pode parecer uma definição dura, ressentida e ignorante da realidade. Vou me dar o luxo e\ou o direito de ser\ou parecer ser antipático. Fico muito preocupado com os rumos que a vida está tomando. Os desenvolvimentos das forças produtivas, das técnicas têm representado a busca quantificadora de acumulo de espetáculos. Calculamos o sucesso ou o fracasso pelos números, temos uma existência medida. Se um evento é bom, ele deve lotar, ou seja, ele deve ser consumido por um número elevado pessoas. Se um livro é bom, ele deve vender milhões, virar filme, etc. Se somos pessoas de sucesso, nós devemos ter muitos amigos e amores devidamente quantificados em nossas redes sociais virtuais.
A lógica da acumulação capitalista passa para as demais esferas da vida. A mercantilização da vida é a imposição da lógica mercantil, que acaba enraizando-se em outras dimensões de nossa vida.
Vivemos em uma sociedade em que a mercadoria, o valor de troca, e a indiferença reinam. Ao acordar todos os dias fico pensando que a nossa vida parece a vida de Truman, do Filme “O Show de Truman”, ou seja, uma realidade espetacularizada, descolada da realidade, controlada, mercantilizada, racionalizada e medida pelo mercado.
Eu não gosto de Best-seler! Não dos livros, mas o que isso significa para o mundo das artes. O Best-seler é para a literatura o que os blockbusters são para a indústria do cinema. A produção de livros segue uma receita de sucesso, que combina certo talento, com um bom marketing. A qualidade vai importar, mas o que é central é se o produto tem aceitação no mercado, se é uma mercadoria vendável.
Existe uma máxima do mercado que é a de que um produto vende quando ele é bom, e se é bom, ele vende. Será? A qualidade estética é discutível, mas quem define quem vende e quem não vende? Quem controla os meios de produção e distribuição da cultura? Onde os filmes são exibidos? Como eles chegam a nossas mãos? Como ficamos sabendo deles? Revistas como a Veja publicam em suas páginas um ranking dos livros mais vendidos, não é de obras de relevância estética, pois não está em questão debater o conteúdo a forma, apenas o nível e potencial de vendagem. São melhores porque vendem mais, e vender mais se torna um elemento definidor de qualidade literária e estética.
Vivemos um novo tempo, um tempo de grande desenvolvimento das técnicas e das tecnologias. Um momento de grande acumulo de capital e de conhecimento, mas um dos momentos mais pobres de realizações livres, e de criações significativa. A linguagem perde sua vitalidade, mesmo existindo muitos caminhos para seguir, pois os caminhos são controlados pela forma dominante. Para a linguagem ter expressividade é necessário ter encantamento, ter liberdade para expressar a vida que pulsa em nós. Essa realidade de produção cultural tem produzido uma crise de criatividade, que se pauta nos modelos que estão dando certo, ou seja, vendendo.
A sociedade do espetáculo é uma realidade que se amplifica a cada dia. As sensações, a existência e as experiências passam a ser mediadas pela lógica do espetáculo, que é a lógica da economia capitalista.
As obras de arte perdem o foco na sua existência social, e ganham uma embalagem hermeticamente fechada com o selo de mercadoria vendável. Os filmes, os livros, as peças de teatro, a dança, tudo se torna objeto de consumo (mercadoria), que para ser consumido necessita estar adequado à ordem da produção de valor entendido dentro da racionalidade capitalista.
O isolamento e a solidão fazem parte da dinâmica da sociedade do espetáculo. A separação do trabalhador de sua criação, e a submissão do trabalho à produção de mercadorias são facetas do atual estágio que a sociedade humana encontra-se. Nossas relações são cada vez mais mediadas. Os meios de comunicação que são possibilidade de aproximar mostram-se contraditoriamente como instrumentos que contribuem para nos localizar no campo de isolamento, nos colocando como espectadores. Quanto mais contemplamos o espetáculo da vida, menos vivemos, quanto menos vivemos menos conseguimos descobrir o que nos toca, e quais são os nossos próprios desejos.
O processo de reificação da espécie está em pleno curso, cada vez mais nos tornamos coisas, em um processo radicalizado da reificação e mercantilização da vida.
A televisão, o computador são instrumentos promotores de enclausuramento, devido sua capacidade de criar a idéia de que estamos vivendo, e encontrando pessoas. Procuramos nossas paixões via internet, em salas de bate-papo, e através de outros recursos e espaços virtuais. Passamos mais tempo simulando o encontro, do que encontrando as pessoas. A comunicação ganha uma centralidade maior do que em outros momentos da história. Vivemos uma realidade bem singular, no que se refere a experiência existencial e a centralidade da comunicação no estabelecimento das relações.
O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação é movido em grande medida pela necessidade do capital de ampliar as possibilidades de acumulação e reprodução, que se tornam possíveis pela maior mobilidade dada aos fluxos de capital.
Os meios e as técnicas são portadores do isolamento, e da individualização que são mecanismos necessários para a manutenção da ordem capitalista. Computadores, carros, televisões, são algumas das tecnologias que podemos identificar o caráter individualista e individualisador.
A sociedade do espetáculo é uma sociedade adoecida, confinada e desconfiada, que produz relações calcadas no medo e no recalque. As relações que vivemos são produtoras do medo. O isolamento dificulta na produção de experiências mais complexas e ativas, e de conexões mais inteiras com a realidade.
O sonho de libertação se vincula ao sonho do sucesso, a liberdade vira a possibilidade de sucesso, que só é possível dentro das normas já definidas pelo mercado. Estamos sujeitos as possibilidades e ao desenvolvimento da gestão das cosias. A gestão das coisas leva em consideração as suas necessidades, e as suas necessidades não são as necessidades humanas.
O mal-estar que a sociedade contemporânea sente é resultado, em grande medida, deste apartamento das coisas, pela criação da vida como espetáculo. A realidade vivida pelas pessoas é diferente da realidade apresentada\espetacularizada, a realidade apresentada torna-se a realidade desejada pelas pessoas, a diferença entre realidade projetada e a realidade em si causa a sensação de frustração, de impotência diante da vida. As mulheres têm seus corpos refeitos em programas de computador, a realidade é aperfeiçoada nas imagens, as imagens do espetáculo são sempre distantes das possibilidades reais, e mais próximas das necessidades mercantis. A cirurgia plástica, o fotoshop, a calcinha e sutiã com enchimento, as drogas licitas e ilícitas são alguns dos meios que utilizamos para construir uma realidade espetacularizada, ou para fugir dela.
Eu não gosto de Best-seler! Por ser expressão bem acabada da sociedade do espetáculo, por transformar as obras em mercadoria. O best-seler é a reprodução e invenção do sucesso, e o sucesso aqui está calcado no sucesso de venda, e isso produz uma crise na produção de novidade, de coisas que tenham relevância estética e social. Uma arte engajada deve estar comprometida com a liberdade e com a libertação, com as necessidades humanas, com a vida e com a beleza. Devemos produzir uma arte com sentido, que possa humanizar as pessoas e as coisas, uma cultura contra a barbárie.